Lenda da fundação da cidade no livro Bellezas de Coimbra

Cap. I

Fundação de Coimbra

 

Coimbra está fundada no coração da Monarquia, servindo de remate à coroa da Europa, que é o nosso Portugal. Ela esteve antigamente no sítio, onde hoje se encontram as ruinas de Condeixa-a-Velha. Esteve sujeita por largo tempo ao Império Romano. Mas um dilúvio de Bárbaros inunda a Espanha em 409, e o Mondego reconhece o senhorio dos Suevos. A ambição de ganhar território domina Ataces, rei dos Alanos, e o cetro de Coimbra foge das mãos a Hermenerico. Ataces senhor de Coimbra a despovoa e arrasa, temendo a segurança das suas fortalezas. Encantado porém da formosura do Mondego, e da amenidade dos seus campos, vai lançar junto dele os alicerces de uma nova cidade, a que dá o nome de Col-imbria, oiteiro de chuvas.

 

Ataces, convertido ao Cristianismo, mas Ariano de seita, persegue os Católicos com incrível ferocidade. Os prisioneiros ou são degolados diante dos muros da nova cidade, servindo-lhes os seus corpos de alicerces, ou empregados com azémolas na edificação. Os mesmos Ministros do Eterno não escapam à tirania de Ataces: ele manda trabalhar todos na construção das muralhas. Elipando, o santo Bispo de Coimbra, também ali andava acarretando a pedra e o barro para as obras da cidade. «Passando pela nova Coimbra (diz Arisberto, Bispo do Porto, escrevendo a Samerico, Arcebispo de Braga), ali vi trabalhando na construção dos seus muros muitos Ministros de Deus; entre eles andava também por ordem de Ataces o Bispo Elipando: chorei com eles a sua desgraça, e a perda desta fértil província do Império Romano.» Devemos pois aos Católicos os muros de Coimbra, que foram amassados com o suor de uns, e batizados com o sangue de outros.

 

Hermenerico não perde as esperanças de resgatar as terras, que lhe tomara Ataces. Atravessa o Douro, e aparece com o seu exército diante dos novos muros de Coimbra. Mas Ataces triunfa, e segue Hermenerico até às margens do Douro, onde este rival lhe compra a troco da filha a paz e aliança.

 

Ataces, coroado com os louros da vitória, continua com grande fervor a edificação da cidade. Recriava-se vendo crescer os muros da nova capital do seu império. Hermenerico o vem buscar a Coimbra, trazendo-lhe a Princesa Cindazunda, que florescia na idade e na beleza. Ataces, para mostrar a sua gratidão mandou pintar nas bandeiras o retrato da sua esposa, metida num vaso, com uma serpente de um lado, e do outro um leão avançando para ela. Eram estas as insígnias de Ataces e Hermenerico. Cindazunda tem os olhos no céu, e as mãos levantadas, como dando graças ao Eterno de ter sido medianeira entre o pai e o esposo, e de ter unido com vínculos de paz e amizade a serpente e o leão, até ali inimigos.

 

Como se andavam edificando os muros e as torres da cidade, os obreiros esculpiam nas pedras esta insígnia tão agradável ao Rei, que até hoje tem sido as Armas de Coimbra. Cindazunda, professando o catolicismo, firmou os vínculos de paz entre os dois reis, e melhorou a sorte dos habitantes de Coimbra, mitigando o ânimo feroz de Ataces contra os Católicos.

 

 

Início do 1.º capítulo do livro Bellezas de Coimbra (transcrição para português contemporâneo), de António Moniz Barreto Corte-Real. Coimbra, Real Imprensa da Universidade, 1831.

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