As actuais armas da Cidade de Coimbra estão definidas pela Portaria n.º 6959, de 14 de Novembro de 1930, que diz textualmente:
“Tendo em vista o parecer da Secção Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses e atendendo ao que representou a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Coimbra: manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Interior, que a constituição heráldica das armas daquele município seja a seguinte:
“De vermelho com uma taça de ouro realçada de púrpura, acompanhada de uma serpe alada e um leão batalhantes, ambos de ouro e lampassados de púrpura. Em chefe, um busto de mulher, coroada de ouro, vestida de púrpura e com manto de prata, acompanhada por dois escudetes antigos das quinas. Colar da Torre e Espada. Bandeira com um metro quadrado, quarteada de amarelo e de púrpura. Listel branco com letras pretas. Lança e haste de ouro.
“Paços do Governo da República, 14 de Novembro de 1930. O Ministro do Interior, António Lopes Mateus”.
Fixava-se assim o brasão da Cidade que, ao longo de séculos, conhecera diversas formas.
A mais antiga representação conhecida das armas coimbrãs encontra-se num documento da era de 1278 (ano de 1240), que tem pendente um selo de cera vermelha, em que se pode ver um busto de uma figura feminina, coroada e com um manto, tendo à volta um outro manto ou resplendor.
Ainda no século XIII, as armas de Coimbra são já diferentes: apresentam então o busto de uma donzela coroada, ladeado por dois escudos com as quinas, tendo por baixo uma cobra e uma taça, e ainda uma flor hastada. Essa representação manteve-se, pelo menos, até aos finais do século XIV, pois encontra-se ainda no selo pendente que autentica, com outros, o auto de aclamação de D. João I, que teve lugar em Coimbra a 6 de Abril de 1385.
Não há documentos que permitam saber qual o momento em que nas armas da Cidade foi introduzida a figura do leão. Sê-lo-ia ainda nos finais do século XIV ou no decorrer do século XV. O que é certo é que surge já no século XVI, como o prova o brasão que ornamenta o foral manuelino, com data de 1516, e diversos brasões de pedra apostos em casas foreiras da Câmara de Coimbra. A representação das armas citadinas não é uniforme, surgindo ora uma cobra, ora um serpe alada, e mesmo um dragão, quer à esquerda quer à direita da figura feminina, sendo o remate cimeiro também sem uniformidade, com coroas de várias formas.
A partir de 1867 passa a haver uma uniformidade na representação das armas da Cidade, sendo o conjunto encimado por uma coroa ducal. Com a proclamação da República, a coroa ducal é substituída por uma coroa mural com quatro torres, sendo acrescentado, em 1919, o colar da Ordem de Torre e Espada com que a Cidade foi agraciada nessa data. Finalmente, em 1930, é dado ao brasão de Coimbra a forma actual, tendo recuperado os escudos nacionais antigos que outrora ostentara.
O significado das figuras que compõem as armas de Coimbra tem sido, de forma fantasiosa, interpretado por vários autores. Assim, Francisco de Sá de Miranda, na obra escrita em castelhano intitulada Fábula do Mondego, narra os amores infelizes entre um jovem de nome Diego, com uma ninfa do rio Monda, o que viria a originar o actual nome do Rio Mondego. Uma das interpretações seria a figura feminina representar a ninfa, guardada por um dragão e um leão, acrescentando outra variante, segundo a qual a donzela seria Pirene, que o amor desesperado de Hércules fizera despedaçar pelas feras.
Por sua vez, Gil Vicente, na sua Comédia sobre a divisa da Cidade de Coimbra, dá a versão de ser a donzela Colimena, filha do rei de Córdova Ceridon, que fora encarcerada pelo bárbaro Monderigon, sendo libertada por uma serpe e um leão. Quando, mais tarde, aquele rei funda a Cidade de Coimbra, imortaliza o acontecimento no seu brasão.
Também Inácio de Morais, na sua obra Conimbricae Encomium, interpreta as armas de Coimbra. Assim, Hércules seduz a jovem Pirene, que se refugia nos bosques para esconder o fruto dos seus amores. Mas, em vez de uma criança, dá à luz uma serpe alada. Desesperada, foge, sendo despedaçada pelas feras que povoavam a floresta, que apenas lhe poupam o busto, que Hércules encontra. E quando este funda Coimbra, dá-lhe por brasão a figura dilacerada da sua amada, rodeada da serpe que fora o fruto dos seus amores, e do leão, que representava as feras que a despedaçaram.
Igualmente encontramos na obra de Frei Heitor Pinto, Imagem da Vida Cristã, uma explicação: o diabo apresenta-se de duas formas, ora como leão, quando tenta as almas com violência, ora como serpente, quando as tenta com mansidão. Se a alma vence as tentações do diabo é coroada. Daí a explicação da insígnia coimbrã: a Cidade, como cabeça de Portugal, que “venceu os mouros inimigos de Deus e regou seus campos com o sangue dos bárbaros”, que personificam o mal, seria representada com as figuras que simbolizavam essa luta.
Pedro de Mariz deixou-nos nos seus Diálogos da Vária História uma outra versão: atribuindo a Hércules, o Egípcio, a fundação da urbe, a figura coroada representaria a Cidade que, nas lutas contra os seus inimigos nunca fora vencida, ostentando por isso a coroa da vitória. E o leão e a serpente representariam os seus inimigos, ora os castelhanos, ora os árabes.
Num sermão em Outubro de 1625, para solenizar a canonização da Rainha Santa, que foi impresso, Frei Jorge Pinheiro, depois de aludir a algumas das interpretações correntes, pretendeu ver nas armas de Coimbra a glorificação de Santa Isabel, cuja figura coroada se interpunha, apaziguadora, promovendo a concórdia entre o Leão de Castela e a Serpente que representava Portugal.
Mas de todas as versões que as armas coimbrãs suscitaram na imaginação dos mais variados autores, a mais divulgada seria a que foi formulada por Frei Bernardo de Brito na Monarquia Lusitana. Segundo aquele autor, Ataces, rei dos alanos, estando a edificar a cidade de Coimbra, foi atacado por Hermenerico, rei dos suevos, que procurava vingar-se das derrotas sofridas. O combate foi feroz, tendo Hermenerico sido de novo vencido e perseguido. Obrigado a implorar a paz, oferece a mão de sua filha, Cindazunda, ao rei vencedor, que, encantado com a formosura da donzela, a aceitou. Fundada a cidade, no seu brasão ficou eternamente a memória dos factos, representando a figura feminina a princesa, simbolizando a taça as bodas, enquanto o leão personifica Ataces e o dragão Hermenerico, que por amor de Cindazunda passaram de inimigos a aliados. Certo é que esta versão tem sido a mais glosada e seguida nas mais variadas formas, inspirando desde então as mais diversas obras literárias.
Texto de Carlos Santarém Andrade