Intervenção na íntegra:
«Foi publicado no passado dia 8 de janeiro o decreto-lei n.º 10/2024, o diploma que procede à reforma e simplificação dos licenciamentos.
Esta lei vem enquadrar e clarificar uma série de procedimentos, muitos deles já adotados pela CMC ao longo dos 2 últimos anos e que muito contribuíram para agilizar e reduzir os tempos de resposta na área do urbanismo (ex: não apreciação dos projetos de especialidade; em fase de saneamento e apreciação liminar apenas são solicitados elementos em falta uma única vez; delegação de competências na Diretora do DGU, etc.).
Vemos com agrado algumas regras, como as medidas de uniformização e que serão reforçadas com a implementação da Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos (PEPU), para submissão dos processos a nível nacional, a entrar em funcionamento em 2026, e a perspetiva, associada à modernização administrativa, de apresentação obrigatória do projeto de arquitetura de acordo com metodologia BIM, a partir de 2030, ainda assim, uma medida tendencialmente desproporcionada se tivermos em consideração que a maioria dos procedimentos submetidos a nível nacional, são de pequena dimensão, envolvendo assim uma complexidade desnecessária. Reconhece-se ainda os benefícios associados à agilização da reclassificação do uso do solo para fins de atividade económicas e da habitação e a revogação de artigos do RGEU considerados obsoletos e desadequados aos padrões e exigências atuais.
Apesar da sua publicação, datar de 8 de janeiro, o diploma impôs a entrada em vigor de uma série de alterações reportadas ao dia 1 de janeiro último obrigando as Câmaras Municiais a alterar os procedimentos de forma instantânea, sem tão pouco terem tido tempo para se prepararem ou adaptarem.
A CMC está por isso a organizar formação especifica para todos os técnicos do DGU, enquanto está a reforçar os recursos humanos da Divisão de Fiscalização, sem que para isso tenha de reduzir a estrutura dedicada à apreciação dos projetos urbanísticos, assim como a revisão urgente e articulada dos regulamentos internos.
Este diploma que traz um conjunto de regras positivas, traz também perigos e riscos seja para os particulares, promotores, técnicos dos requerentes, mas sobretudo para o ambiente urbano construído, com erros e desconformidades que se irão perpetuar no tempo.
Esta é uma lei baseada na confiança no particular e na responsabilização dos técnicos dos promotores o que pode levar a “abusos de interpretação” e que aposta no remediar em vez do prevenir o que necessariamente conduzirá a um aumento do número de obras embargadas, à proliferação de edificações inacabadas no ambiente urbano e à eternização de monos em construção enquanto aguardam o desfecho dos procedimentos de legalização ou judiciais. Sob o lema de que importa disponibilizar habitação, o governo com esta alteração legislativa defende a rapidez do licenciamento em detrimento da segurança jurídica e financeira, o que a prazo poderá levar a insegurança no investimento privado e a danos irreparáveis no ambiente construído. Mesmo para aqueles promotores que, voluntariamente quiserem optar por um processo de licenciamento seguro, essa possibilidade é-lhes agora vedada, sendo obrigados a seguir o procedimento simplificado de comunicação prévia.
A nova lei alarga o leque de obras isentas de controlo prévio, sendo exemplo, as obras de reconstrução e ampliação com aumento do número de pisos e área útil, desde que mantida a cércea, operações urbanísticas precedidas de informação prévia favorável, operações de loteamento em área de plano de pormenor, com efeitos registais, ou um numero alargado de operações urbanísticas promovidas, entre outros, pelo sector empresarial do estado, institutos públicos, fundos de investimento imobiliário públicos, etc.
Embora a isenção de controlo prévio não signifique a isenção do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, estas medidas ao impossibilitarem a avaliação à priori, da qualidade dos projetos dificultam a atuação das Câmaras Municipais no planeamento e gestão urbanística, na fundamentação de alterações aos projetos, na fiscalização sucessiva, e por inerência na monitorização do ambiente construído. Irão traduzir-se num aumento de pressão sobre as infraestruturas urbanas, desde logo no sistema de águas e saneamento e na pressão do trânsito e estacionamento. Esta redução do controlo prévio, alarga ainda as operações isentas do pagamento de taxas, apesar de exigir às camaras municipais um reforço extraordinário de fiscalização sucessiva, desde uma fase inicial da operação urbanística, de forma a evitar males maiores.
A nova legislação prevê ainda um regime de deferimento tácito para as licenças de construção, sempre que se ultrapassam os prazos devidos, aumentando os riscos para os intervenientes no processo e a pressão sobre os serviços de fiscalização, para além dos possíveis impactos no território. Também a impossibilidade de indeferir o pedido com incompleta instrução do processo, dificulta/impossibilita a devida análise técnica do processo, aumentando a responsabilidade na fase de saneamento e que pode levar a um aumento do número de rejeições liminares.
Nas obras sujeitas a controlo prévio, é eliminada a autorização de utilização, a qual é substituída por uma simples entrega de documentos relativos ao projeto, enquanto em obras isentas de controlo prévio, mediante uma comunicação prévia, se considera aceite o pedido de autorização de utilização caso o município não responda em 20 dias, prazo exíguo se tivermos em conta que deveria ser promovida uma vistoria para avaliação da conformidade da obra com o projeto de execução. Ou seja, correm-se sérios riscos de se validarem formalmente erros e desconformidades urbanísticas, por incapacidade de atuação atempada das Câmaras Municipais.
Também a simplificação das formalidades para compra e venda de imóveis, com não obrigatoriedade de prova de existência da ficha técnica e de apresentação da autorização de utilização, aumenta o risco para o comprador e para as entidades financiadoras.
Em síntese com o novo diploma, aumenta o risco para o particular, para o promotor, para as entidades financiadoras, e para os técnicos do requerente, sobre quem recai a responsabilidade do cumprimento das regras técnicas e legais. Aumenta a probabilidade de processos judiciais, que se arrastarão no tempo. Nas autarquias aumentam as responsabilidades da fiscalização, reduz a fonte de receitas associada às taxas cobradas, sem aliviar a carga de trabalho já que a fiscalização terá de continuar a ser apoiada pela estrutura dedicada à apreciação dos projetos urbanísticos. Por outro lado, é ainda expectável que face á eliminação dos alvarás de licenciamento, as câmaras passem, em substituição, a serem sobrecarregadas para emissão de certidões. O risco maior é para o ambiente construído, onde, face à redução do âmbito do controlo prévio, fica nas mãos dos técnicos dos requerentes, a responsabilidade de conceber soluções coerentes, integradas e que contribuam para fazer cidade.
Com esta legislação, o urbanismo é cada vez mais encarado como um procedimento administrativo de verificação de uma checklist de documentação obrigatória à sua instrução, ao invés de um processo construtivo de soluções coerentes e integradas, impedindo o diálogo e a interação entre os promotores e a CM e que tantos benefícios pode trazer para a qualidade do ambiente construído.
Em linha com a minha intervenção antes da ordem do dia, na reunião de câmara de 27 de novembro, na sequência da emissão da DIA com parecer favorável condicionado ao projeto da Linha Ferroviária de Alta Velocidade entre Porto e Lisboa Fase 1: Troco Porto/Soure, Lote B – Troco Soure/Aveiro (Oiã), foi selecionada, por parte da APA, a alternativa 3.1 para o atravessamento da zona de Condeixa e Taveiro, a qual colidia com a Quinta das Cunhas e demolia a globalidade das edificações, ou seja 6 habitações, 15 anexos e 4 telheiros.
A preocupação e a ansiedade dos residentes locais foram bem evidenciadas na Assembleia Municipal de 26 de setembro pela voz do Sr. presidente da UF Taveiro, Ameal e Arzila e pelos próprios nas sessões de esclarecimento que decorreram no período de participação publica. A CMC desde a 1ª hora que se aliou a esta preocupação da população e se comprometeu a trabalhar em conjunto da IP, no sentido de mitigar o problema. Tirando partido do período de participação publica a CMC elaborou um parecer detalhado sobre o traçado geral, no âmbito do qual solicitou a revisão do traçado em alguns pontos/trechos críticos, apresentando propostas concretas de retificação, impondo-se à IP a sua avaliação de viabilidade técnica. É por isso com muito agrado que, na sequência de uma reunião decorrida na passada 2ª feira, a IP veio confirmar a viabilidade técnica dos ajustes propostos pela CMC, dotando assim a CMC de elementos técnicos para poder reclamar junto do futuro concessionário a retificação do traçado, já a partir do 1º semestre de 2025. Com este ajuste ao traçado, consegue-se poupar a totalidade das edificações da Quinta das Cunhas, salvando assim as memórias e a identidade daquele lugar, enquanto se asseguram melhorias, com redução do número de demolições no Concelho de Condeixa à Nova.
Em complemento e também com base em solução de traçado alternativo proposto pela CMC, foi possível evitar a demolição de mais 3 habitações em Reveles (Taveiro), uma delas acabada de construir.
Este é o resultado de um trabalho profícuo que se estabeleceu entre a CMC e a IP no âmbito do processo da LAV, pelo que não posso deixar de dirigir um agradecimento especial à IP, seja a toda a estrutura técnica seja aos seus dirigentes e administradores, pela abertura e colaboração prestada à população de Coimbra.»